Icaro Magalhães
06/03/2025
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL E JUDICIAL DO BEM IMÓVEL: DIFERENÇAS ENTRE OS PROCEDIMENTOS E REQUISITOS LEGAIS
A usucapião é um meio de aquisição da propriedade baseado na posse prolongada, sendo um instrumento fundamental para a regularização fundiária no Brasil. Este artigo aborda as principais diferenças entre a usucapião judicial e extrajudicial, analisando seus requisitos legais e procedimentos. Enquanto a via judicial exige a intervenção do Poder Judiciário, a via extrajudicial, regulamentada pelo Provimento 65/2017 do CNJ, permite a regularização por meio de cartório, tornando o processo mais célere. O estudo também explora decisões recentes que moldam a interpretação do instituto pelos tribunais.
INTRODUÇÃO
A usucapião é um dos meios de aquisição da propriedade previstos no ordenamento jurídico brasileiro, fundamentado na posse prolongada e preenchimento de requisitos específicos. Sua relevância está na possibilidade de regularização de imóveis ocupados por longos períodos sem título formal, garantindo o direito à moradia e promovendo a segurança jurídica. A usucapião pode ocorrer por meio de duas vias: judicial e extrajudicial. A primeira envolve um processo no Poder Judiciário, enquanto a segunda ocorre diretamente em cartório, proporcionando uma alternativa mais rápida e menos onerosa. Este artigo analisa as principais diferenças entre essas modalidades, seus requisitos legais e a jurisprudência recente sobre o tema.
CONCEITOS E FUNDAMENTOS DO USUCAPIÃO
A palavra “USUCAPIÃO” vem do latim “usucapio” que é a junção de usu (pelo uso) e capere (tomar) que significa o direito de adquirir um bem, móvel ou imóvel, por meio do seu uso prolongado, contínuo e ininterrupto, durante um tempo estabelecido por lei. A primeira aparição do “Usucapião” em lei foi no direito romano na lei das XII (12) Tábuas que foi instituída em 451 a.C pelos decêmviros, um grupo de dez magistrados romanos encarregados de redigir um código de leis para a República Romana, em especifico na XI (6) tábua na qual falava, sobre o direito de propriedade e da posse que:
V. As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano. Já no Brasil no Código Civil de 1916 elencou a usucapião como modo de adquirir propriedade no seu artigo 530:
Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:
III - Pelo usucapião.
E nele continha já uma seção especifica que citava o usucapião, que era a seção IV (4):
SEÇÃO IV
DO USOCAPIÃO Art. 550. Aquele que, por trinta anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título de boa fé, que, em tal caso, se presumem; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcripção no registro de immoveis.
Art. 550. Aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio independentemente de título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 1955)
Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele quem, por dez anos entre presentes, ou vinte entre ausentes, o possuir como seu, continua e incontestadamente, com justo título e boa fé. Parágrafo único. Reputam-se presentes os moradores do mesmo município, e ausentes os que habitam municípios diversos.
Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele que, por dez anos entre presentes, ou quinze entre ausentes, o possuir como seu, contínua e incontestadamente, com justo título e boa fé. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 1955)
Parágrafo único. Reputam-se presentes os moradores do mesmo município e ausentes os que habitem município diverso. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 1955)
Art. 552. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a do seu antecessor, art. 496.contanto que ambas sejam contínuas e pacíficas.
Art. 553. As causas que obstam, suspendem, ou interrompem a prescrição, também se aplicam ao usucapião (art. 619, parágrafo único), assim como ao possuidor se estende o disposto quanto ao devedor.
A legislação mais recente na qual cita o usucapião no Brasil é a do Código Civil de 2002, que teve a redução de prazos em algumas modalidades, inclusão do usucapião familiar, para casos específicos e possibilidade de usucapião extrajudicial (2015) para agilizar o processo.
PRINCIPAIS MODALIDADES DO USUCAPIÃO
A legislação brasileira prevê diversas formas de usucapião, sendo as principais descritas no CAPÍTULO II, que se refere a “Aquisição da Propriedade Imóvel” na seção I, que se refere ao “USUCAPIÃO”:
- Usucapião Extraordinária (Art. 1.238 do CC) o Prazo: 15 anos (ou 10 anos se houver moradia ou benfeitoria no imóvel). o Dispensa justo título e boa-fé. o Exige posse ininterrupta, pública e sem oposição.
CC Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
- Usucapião Ordinária (Art. 1.242 do CC) o Prazo: 10 anos (ou 5 anos em casos especiais). o Exige justo título e boa-fé.
CC Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
- Usucapião Especial Urbana (Art. 183 da CF e Art. 1.240 do CC) o Prazo: 5 anos. o Imóvel de até 250 m² utilizado para moradia própria. o O possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel.
CF Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
CC Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1 o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2 o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
- Usucapião Especial Rural (Art. 191 da CF e Art. 1.239 do CC)
o Prazo: 5 anos. o Imóvel de até 50 hectares explorado pelo possuidor e sua família para moradia e produção.
CF Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
CC Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
USUCAPIÃO JUDICIAL
A usucapião judicial é o processo judicial pelo qual um possuidor pleiteia o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um bem que ele detém de maneira pública, pacífica e ininterrupta por um determinado período de tempo. Diferente da usucapião extrajudicial, que ocorre por meio de cartório, a via judicial se faz necessária quando há contestação do direito de posse ou dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos legais.
Requisitos Gerais da Usucapião Judicial
Para que a usucapião judicial seja concedida, o requerente deve comprovar que atende aos seguintes requisitos:
- Posse mansa e pacífica: A posse deve ser exercida sem oposição do verdadeiro proprietário ou de terceiros.
- Posse ininterrupta: O possuidor deve demonstrar que manteve a posse de forma contínua, sem interrupção pelo tempo exigido em lei.
- Boa-fé ou Justo Título (em alguns casos): Em algumas modalidades de usucapião, é necessário que o possuidor tenha adquirido o bem com base em um título considerado válido, mas que posteriormente se mostrou defeituoso.
- Decurso do tempo exigido pela legislação: O prazo varia conforme a modalidade de usucapião aplicada ao caso.
Procedimento Judicial da Usucapião
A usucapião judicial ocorre por meio de uma ação proposta perante o Poder Judiciário, conforme os seguintes passos:
- Petição Inicial: O possuidor ingressa com a ação judicial de usucapião, apresentando documentos que comprovem a posse, como contas de água e luz, declarações de vizinhos e eventuais melhorias realizadas no imóvel.
- Citação dos Interessados: O antigo proprietário e eventuais terceiros interessados são citados para apresentar contestação.
- Manifestacão do Ministério Público: Em casos que envolvem interesse social, o Ministério Público se manifesta.
- Produção de Provas: Testemunhas podem ser ouvidas, e a posse pode ser analisada por meio de perícia.
- Sentença Judicial: Se os requisitos forem preenchidos, o juiz declara a aquisição da propriedade por usucapião.
- Registro no Cartório de Imóveis: A decisão judicial é levada ao cartório para registro e oficialização da nova titularidade do bem.
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL
A usucapião extrajudicial permite ao possuidor que preenche os requisitos legais adquirir a propriedade de um bem sem necessidade de recorrer ao Judiciário. O procedimento ocorre por meio de um pedido administrativo junto ao cartório de registro de imóveis, desde que haja consenso e a documentação exigida esteja completa.
Requisitos para a Usucapião Extrajudicial
Para que a usucapião extrajudicial seja concedida, é necessário comprovar que o requerente atende aos seguintes requisitos:
- Posse mansa e pacífica: O possuidor deve estar na posse do imóvel sem oposição do verdadeiro proprietário ou de terceiros.
- Posse ininterrupta: O possuidor deve demonstrar que manteve a posse continuamente pelo período exigido na modalidade pretendida.
- Tempo de posse conforme a modalidade de usucapião: Os prazos variam de 5 a 15 anos, conforme a modalidade (extraordinária, ordinária, especial urbana ou especial rural).
- Ausência de litígio: Se houver oposição de terceiros, o pedido deve ser convertido em usucapião judicial.
- Anuência do antigo proprietário: O titular registrado no cartório deve ser notificado e não pode se opor ao pedido.
- Documentação completa: Planta e memorial descritivo assinados por profissional habilitado, além de certidões e declarações que comprovem a posse.
Procedimento da Usucapião Extrajudicial
O procedimento extrajudicial ocorre perante o Cartório de Registro de Imóveis e segue as seguintes etapas:
- Peticionamento ao Cartório: O interessado deve apresentar um requerimento formal ao cartório de registro de imóveis, acompanhado da documentação necessária.
- Análise Documental: O cartório verifica se todos os requisitos legais foram cumpridos.
- Notificação do Proprietário Registral e de Terceiros Interessados: O cartório notifica o antigo proprietário e eventuais interessados, que podem concordar ou contestar o pedido.
- Parecer do Ministério Público: Em casos que envolvem interesse de incapazes, o Ministério Público deve ser consultado.
- Registro da Usucapião: Se não houver impugnação, o cartório efetua o registro da propriedade em nome do requerente.
- Encaminhamento ao Judiciário em Caso de Contestação: Se houver oposição, o pedido é arquivado e deve ser feito pela via judicial.
Vantagens da Usucapião Extrajudicial
1. Rapidez: O processo é significativamente mais rápido do que o judicial.
2. Menos custos: Evita despesas com honorários advocatícios e custas judiciais.
3. Desburocratização: Possibilita a regularização da propriedade sem a necessidade de um litígio prolongado.
CONCLUSÃO
A usucapião, como instrumento jurídico de aquisição da propriedade, desempenha um papel fundamental na regularização fundiária e na garantia do direito à moradia no Brasil. O estudo comparativo entre a usucapião judicial e a extrajudicial demonstrou que, embora ambas tenham o mesmo objetivo, apresentam diferenças substanciais em termos de requisitos, tempo de tramitação, custos e exigências documentais.
A usucapião judicial, apesar de ser um procedimento mais demorado e oneroso, continua sendo indispensável em casos de litígio, contestação da posse ou ausência de documentação suficiente para o reconhecimento administrativo. Já a usucapião extrajudicial, introduzida para simplificar e acelerar o processo, mostra-se uma alternativa eficiente para possuidores que atendem plenamente aos requisitos legais e que não enfrentam oposição de terceiros.
Com a regulamentação do Provimento 65/2017 do CNJ, a usucapião extrajudicial consolidou-se como um mecanismo moderno e ágil, permitindo a obtenção do direito de propriedade de maneira menos burocrática. No entanto, sua aplicabilidade ainda enfrenta desafios práticos, especialmente na obtenção da anuência dos confrontantes e do proprietário registral.
Dessa forma, a escolha entre a via judicial e extrajudicial deve considerar não apenas a celeridade do procedimento, mas também a segurança jurídica envolvida em cada caso específico. Independentemente da modalidade adotada, a usucapião permanece um importante mecanismo para a regularização imobiliária e a efetivação do direito à propriedade no Brasil, contribuindo para a redução da informalidade fundiária e para o desenvolvimento socioeconômico.